Vou contar um caso de amor. Amor à primeira vista. Eu me apaixonei pela Escola da Ponte. Bastou vê-la para que um passado reverberasse dentro de mim.
Não tenho memórias dolorosas do grupo escolar. As coisas a serem aprendidas eram fáceis e eu as aprendia sem esforço. Mas minha eferves- cência intelectual – pois as crianças também têm efervescências intelec- tuais – estava em outro lugar: no mundo que começava quando eu saía da escola. Eu me levantava às 5h e me punha a andar pela casa fazendo barulho. Queria que os adultos dorminhocos despertassem do seu sono para o mundo maravilhoso que aparecia com a luz do dia. Minha curiosidade me levou a desmontar o relógio de pulso de minha mãe, o único que ela tinha. Queria saber como ele funcionava, aquelas engrenagens fascinantes. Infelizmente, não consegui montá-lo de novo.
No grupo escolar, nos ensinavam o que o programa mandava: o nome de serras, Serra da Mata da Corda, do Espinhaço, da Bocaina; o nome de afluentes de rios distantes, dos quais a única coisa que aprendíamos eram... os nomes. O que me foi útil no exame de admissão, porque me perguntaram o nome da segunda maior ilha fluvial do mundo. Tupinambarana. Eu sabia o nome. Mas ainda hoje, nada sei sobre a ilha.
Era tempo da Segunda Guerra Mundial. As batalhas entravam em nossa casa pelo rádio: “E Stalingrado continua a resistir”; “Aviões aliados martelaram as posições nazistas no Vale do Pó”. Meu pai afixou um mapa da Europa na parede e nele íamos seguindo os movimentos das tropas. A imaginação corria rapidamente e eu me sentia como um soldado na frente de batalha. O mapa, os países, o nome das cidades, dos rios, das montanhas –– tudo estava vivo para mim.
Conto essas coisas da minha vida de menino para dizer que as crianças são curiosas naturalmente e têm o desejo de aprender. O seu inte- resse natural desaparece quando, nas escolas, a sua curiosidade é sufocada pelos programas impostos pela burocracia governamental. Pela minha vida tenho estado à procura da escola que daria asas à curiosidade do menino que fui. Pois, de repente, sem que eu esperasse, eu me encontrei com a escola dos meus sonhos. E me apaixonei.
Novas formas de ver

Fui e fiz. Foi bom. Aí, numa manhã, ele me disse: “Vou levar-te a conhecer uma escola diferente”. “Diferente como?”, perguntei. “Não é pos- sível dizer-te. Tu verás.” Chegamos à escola. Na sua frente havia um pátio arborizado. Lá estava o diretor, professor José Pacheco. Aprendi que ele se recusa a ser chamado de diretor, por razões que explicarei mais tarde.
Minha expectativa era que o diretor, por um mínimo dever de corte- sia, haveria de levar-me a conhecer a escola. Homem de poucas palavras, trocamos meia dúzia de banalidades. Vinha passando à nossa frente uma menina de uns nove anos. Ele a chamou e disse: “Tu podes mostrar e expli- car a nossa escola ao nosso visitante?”. “Pois, pois”, respondeu a menina, sem mostrar nenhuma surpresa. Ato contínuo, ele me abandonou e fiquei eu à mercê da menina.
Rubem Alves, trecho do livro O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender
Em breve a parte 2 - Os primeiros sustos
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