terça-feira, 22 de março de 2011

Verbum - Notas de subversividade


          É tão trágico perder um livro. Exagero. Sabe-se que há muitas outras tragédias piores do que essa no mundo, mas sempre é bom fazer certo drama. Na verdade, sinto-me abalado por tê-lo perdido. Afinal, comprei-o com a consciência de que era uma grande obra. Guardei-o por certo tempo na estante; aliás, tenho muitos livros que comprei pelo simples ato consumista, para depois deixá-los à mercê do tempo e da poeira em algum canto obscuro do quarto. Estou aqui, pois sendo sincero.
          Esse livro, entretanto, possuía algo em especial. Não sei dizer o quê, exatamente. Talvez seu título, ou as referências do escritor, não sei. O certo é que quando comecei a lê-lo, senti-me nauseado, pelo anti-heroísmo da personagem principal, que narrava a história em um monólogo egoísta e mesquinho. Irritou-me sua tacanhez, sua perspectiva ignóbil em relação à sociedade; enfim, tudo o que essa pessoa descrevia irritava-me com profunda impaciência.
          Apesar disso, não consegui parar de ler a obra . Havia algo de paradoxal, pois seu discurso mesquinho prendia-me com tal façanha que, por onde eu andava, levava comigo o livro: na sala de espera do dentista, na fila do banco, na parada de ônibus, em qualquer lugar. Devorava-o com uma saciedade tamanha de um mendigo que há dias não come, mas um dia recebe delicioso banquete.
          Foi no segundo dia a lê-lo, porém, que, nessas idas e vindas o perdi. Desesperei-me por completo – mais um pouco de exagero, confesso –, já que queria terminá-lo logo, saber qual o desfecho da personagem-narradora, em meio à neve de Moscou.
          Já havia perdido outros livros antes, inclusive que não eram meus. Tive até de até ressarcir um em uma Biblioteca. Doeu-me ter de dar o Fio das Miçangas, de Mia Couto, excelente autor africano, ainda mais sem ter tido tempo de ler todos os contos que essa obra continha; agora, se quero terminá-lo, tenho de pegar emprestado algo que já fora meu, ou comprar outro.
          Mas voltemos ao livro que perdi nesse momento. Lembrei-me que, depois de tê-lo comprado, encontrei uma cópia completa dessa mesma obra em meu quarto, só que traduzida por outra pessoa, sendo obviamente de outra editora. Quando comecei a lê-la, buscando o ponto onde parei no outro livro, tive certo estranhamento. Isso pela diferença das palavras e do estilo na tradução. No livro em que eu havia começado a ler a obra, o interessante é que eu li a nota da tradutora (sim, o primeiro que eu lia era traduzido por uma mulher) que se gabava de seu trabalho, alegando que procurara manter-se o mais próximo possível da linguagem original. Mas não quero fazer comparação entre as duas traduções ou um julgamento de qual seja a melhor, até porque eu teria que ter algumas noções mínimas de russo para poder conferir, mesmo que parcialmente, a obra original. O certo é que considerei interessante mencionar o fato de iniciar a ler o livro com uma tradução, feita por uma mulher, e terminá-lo com outra, feita por um homem.
          Mais uma vez, aparentemente, fujo do enfoque de descrever a obra do escritor russo. Entretanto, ela está impregnada, mesmo que inconscientemente nesse texto. Cada palavra, cada frase, possui inspiração dessa obra. É isso o que a torna mais fascinante. O fluxo de consciência que ela proporciona, a imaginação subversiva que ela me leva a escrever sem sequer pensar.
          Sinto com grande pesar e sinceridade ter perdido um livro de preço acessível, mas tão precioso. Por fim, pergunto-me: por onde andará meu “Notas do Subsolo”, de Dostoievski?

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