Recomendo ler a parte 1, primeiro.
Eu nunca tinha tido experiência semelhante e nunca imaginei que fosse possível que um diretor entregasse a uma aluna, menina de nove anos, a tarefa de mostrar e explicar a sua escola a um educador estrangeiro. A menina não se fez de rogada. Encaminhou-se resolutamente na direção da porta da escola e eu, obedientemente, a segui. Chegando à porta, ela parou, voltou-se para mim e disse em voz resoluta e confiante: “Para entender a nossa escola, o senhor terá de se esquecer de tudo o que o senhor sabe sobre escolas. Não temos turmas, não temos alunos separados por classes, nossos professores não dão aulas com giz e lousa, não temos
campainhas separando o tempo, não temos provas e notas”. Foi o segundo susto. As palavras da menina produziram um vazio na minha cabeça. Porque as escolas que conheço, mesmo as mais experimentais e avançadas, têm professores dando aulas, têm turmas, têm salas de aula que separam as cri- anças, têm provas e testes, têm notas e boletins para o controle dos pais.
Professores aprendizes
Perguntei: “E como é que vocês aprendem?”. Ela me respondeu: “Forma- mos um pequeno grupo de seis pessoas em torno de um tema de interesse comum. Convidamos um professor para ser nosso assessor. Ele nos ajuda com informações bibliográficas e de internet. Estabelecemos, de comum acordo, um programa de trabalho de duas semanas. Durante esse tempo, lemos e pesquisamos. Ao cabo de duas semanas, nos reunimos para avaliar o que aprendemos e o que deixamos de aprender”.
Percebi logo que naquela escola não podia haver livros-texto. Livros-texto são onde se encontram os saberes que, por escolha e determinação de uma instância burocrática superior, devem ser aprendidos pelos alunos. O conjunto desses saberes se denomina “programa”. Mas acontece que a curiosidade não segue os caminhos determinados pela burocracia. Sem livros-texto, as crianças têm de aprender a procurar os saberes necessários à compreensão do “tema de interesse comum”. E os professores deixam de ser aqueles que dominam os saberes prescritos pelos programas. Eles se encontram permanentemente em suspenso ante o inesperado dos interesses das crianças. Os profes- sores não são aqueles que conhecem os saberes. São aqueles que sabem encontrar caminhos para eles. De qualquer forma, os saberes já se encontram em livros, bibliotecas, enciclopédias, internet. Acresce-se a isso o fato de que, hoje, os saberes se tornam rapidamente obsoletos. Se os alunos tiverem os mapas e souberem encontrar o caminho, eles terão sempre condições de descobrir o que sua curiosidade pede. E os professores, por não saberem de antemão o que as crianças querem saber, têm de se tornar aprendizes junto às crianças.
O tal “programa de trabalho de duas semanas”, de que falou a menina, era para os professores também. Eles ensinam o aprender aprendendo junto. O que é muito mais divertido do que ficar, todos os anos, repetindo os mesmos saberes imobilizados pe- los programas. Ficar a repetir o que se sabe, ano após ano, é, sem dúvida, uma prática emburrecedora.
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